Do lixo ao luxo: da escola pública à PUC

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Em meu jardim de infância, estudei no prestigiado colégio Objetivo em Santos, graças ao meu avô que ganhava uma boa pensão da Alemanha e sempre se preocupou com a educação dos netos. Termina aqui todo ensino de qualidade que eu recebi de uma instituição de ensino. Quando meu avô faleceu, eu e meu irmão fomos transferidos para uma escola pública.

Meu pai nunca terminou o ensino fundamental, e minha mãe abandonou a faculdade de assistente social logo no primeiro ano. Por ela ser uma mulher instruída, sempre incentivou a leitura dentro de casa. Eu e meu irmão líamos desde histórias em quadrinhos, dezenas por semana, ate clássicos da literatura – internacional e nacional. Por conta disso, sempre fui boa aluna e muito interessada em aprender, ao Mauricio de Souza devo agradecer por ter sido a primeira aluna na pré-escola a aprender a ler com fluência.

A escola pública deficiente nunca incentivou o meu gosto pelo saber. O duro trabalho dos professores em "adestrar" 45 alunos ao mesmo tempo em uma classe apertada e sem a menor estrutura, inviabilizava qualquer tentativa de aula normal.

Encontrar um aluno interessado em aprender dentro da escola inteira tornava-se um desafio. A biblioteca do meu colégio era o único ponto positivo, o governo, todo ano, se preocupava em mandar novos exemplares de diversos livros, mas nem isso atraia aos alunos, a biblioteca sempre ficava deserta, e entrar lá tornava-se motivo de chacota entre os estudantes.

Sempre gostei mais das ciências humanas, por isso eu estudava sozinha em casa História e Geografia. Cheguei a ensinar meus colegas na escola o mapa-mundi: em pleno colegial eles não sabiam diferenciar em qual continente ficavam os países. Em contrapartida, eu era péssima em ciências exatas, isso quando havia algum professor interessado em passar o conteúdo na escola. As minhas aulas de História foram, durante a 5ª e 8ª série, explicando o sistema feudal, estudávamos por um livro de História caduco, quatro anos estudando a mesma coisa, e o pior, quase ninguém na minha sala sabia dizer o que foi o sistema feudal.

Quando concluí o ensino médio consegui um bom desconto em um cursinho em Santos, cidade onde nasci e estudei toda a vida. Pagando menos de 200 reais mensais, finalmente tive contato com aquilo que me foi privado durante o período escolar: material didático, professores preparados, alunos interessados, aulas laboratoriais, para mim aquilo era surreal. Entretanto, a minha dificuldade em acompanhar essas aulas era trágica. Enquanto eu sentia que para a maioria dos alunos o conteúdo passado era apenas uma revisão do que aprenderam no ensino médio, para mim era tudo novo e complexo. Fui então reprovada no vestibular. Ilusão a minha achar que eu era capaz de derrotar a concorrência de 47 alunos disputando uma vaga para o curso de jornalismo na USP, sem que ao menos eu tivesse uma única aula de Física no colegial.

Desanimada, deixei essa história de entrar na universidade de lado, e me dediquei a outras coisas na vida. Passaram-se quatro anos, eu me casei, mas sempre pensava em voltar a estudar. A gente nunca pode parar de aprender. Meu marido, que é formado em Relações Internacionais, sempre me apoiou a buscar o melhor dentro dos estudos. Quando ouvi falar do prouni, peguei livros emprestados e me dediquei a estudar sozinha todo o edital do exame, que na verdade não era difícil. O governo não pode exigir na prova o que nunca deu no ensino médio. A questão era testar o raciocínio lógico, uma forma de seleção natural. Quando o resultado saiu, todo o sonho de um título acadêmico que quase foi abandonado veio a tona novamente.

O período de inscrição foi muito estressante: três dias inteiros na fila para a matricula era o mínimo que os aprovados pelo enem precisaram enfrentar para se tornarem então filhos da PUC. Em paralelo a isso, os professores do nosso curso nos receberam muito bem e são compreensíveis com as nossas dificuldades. Muitas vezes eu meus colegas do prouni nos reunimos após as aulas para discutirmos de forma mais detalhada os trabalhos do curso. É uma forma de superarmos as deformidades de nosso ensino precário e devolver de forma positiva a oportunidade que recebemos.

Devo admitir que conciliar a vida de casada com estudos acadêmicos é uma loucura, mas não é impossível. Sem ter minha mãe ou minha sogra por perto, e meu marido trabalhando o dia inteiro, me revezo entre preparar o jantar, cuidar da casa e analisar a esfera pública de Habermas, entender a Escola de Frankfurt e fazer as dezenas de trabalhos que a nossa professora de lingüística pede toda semana.

Para concluir minha história, termino com um final até então feliz. Quando conheci aqueles que seriam meus futuros colegas, também do prouni, logo me identifiquei com eles. Eram alunos que se destacavam em suas escolas precárias do governo. Pessoas que se sentiam lesadas pelo ensino que receberam e possuem um potencial enorme que nunca fora explorado ou creditado pelos professores,alunos esforçados e preocupados em subir na vida, de aprender e de mudar o histórico de suas famílias: que nossos filhos repitam o sucesso de nossas histórias, entretanto, por caminhos muito mais fáceis.

Abertura da Semana de Jornalismo conta com a presença de reitor e convidados ilustres

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O tema deste ano abordou a relação entre os direitos humanos e o jornalismo

 

Por: Diego Gouveia

 

Na manhã do dia 24 de maio de 2010 ocorreu a abertura oficial da Semana de Jornalismo, promovida todos os anos pelo Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em parceria com os alunos do curso de jornalismo. Realizada na sala 239 do prédio novo da unidade Perdizes, a Cerimônia de abertura contou com a presença do reitor da PUCSP, professor Dirceu de Mello. O tema escolhido para este ano foi "Jornalismo e Direitos Humanos: Compromisso dos jornalistas e o papel da imprensa no Brasil". A primeira mesa de discussão recebeu a participação do Candidato à presidência pelo PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, e a juíza da Associação dos Juízes para a Democracia, Kenarik Boujikian Felippe. A mediação ficou por conta do professor do curso de jornalismo da PUCSP, José Arbex Jr.

Em seu discurso de abertura, o reitor Dirceu de Mello agradeceu o convite, ressaltou a importância do curso de jornalismo, e até confidenciou que quase chegou a atuar no ramo jornalístico, não o fazendo porque, na época, conseguiu uma grande oportunidade como advogado. Por fim lamentou não poder assistir à mesa que se seguia, pois tinha compromisso em outro lugar.

A primeira mesa de discussão da semana teve como assunto "A luta pelos direitos humanos no Brasil". Na primeira parte da discussão, o candidato à presidência pelo PSOL, Plínio de Arruda, ressaltou a importância da garantia dos direitos humanos para todos "independentemente do que tenha feito". Falou da defesa dos direitos humanos mesmo contra a opinião pública, quando esta age de maneira vingativa, criticando o estilo repórter policial, como o de Datena e Afanasio. "Você não pode condenar uma pessoa antes do julgamento". E concluiu afirmando que "o jornalismo é um lugar de muito poder".

A juíza Kenarik Boujikan citou o artigo 3º da constituição de 1988, afirmando existir uma contradição entre este e as demandas neoliberais. Em relação à adoção do discurso neoliberal, afirmou que "a imprensa teve papel fundamental para vender que este neoliberalismo é vantajoso". Sobre a relação entre o juiz e o neoliberalismo disse que "Não dá pra ser juiz sem saber o que está acontecendo no seu país". Levantou a discussão sobre a questão da imparcialidade, ao afirmar que nem o juiz, nem o jornalista são totalmente imparciais. "O juiz é imparcial no decorrer do processo". Falou da censura praticada por juizes contra jornalistas nos casos onde os mesmos são proibidos de falar sobre certas pessoas, e classificou isso como uma violação de direitos. "Tá pior do que na época da ditadura, nesse aspecto". Ainda lembrou da autocensura por parte dos jornalistas e que "existem formas sutis de violar os direitos humanos" através da forma como é escrita uma notícia.

A segunda parte das discussões foi aberta para perguntas do público aos participantes da mesa. De posse da palavra, Plínio Arruda reiterou a afirmação de sua companheira de mesa ao dizer que "o jornalismo tem que ser parcial, sempre foi (...) o juiz extravasa na sentença sua visão de mundo (...) o conceito de parcialidade tem que ser claro". E terminou fazendo uma ressalva sobre os diversos movimentos que estão surgindo na sociedade (tal qual os ambientais): "tudo que vira tudo acaba em nada".

Já a juíza Kenarik Boujikian explicou que o juiz é parcial quando tem um compromisso. Falando de si própria disse: "minha opção política é: garantir o que está na constituição". Falou que a forma como o juiz pergunta tem um compromisso político, e diferenciou um juiz imparcial de um arbitrário. Indagada sobre o que falta para impedir a violação dos direitos humanos no Brasil, visto que o mesmo possui uma das mais avançadas constituições do mundo, além de uma série de estatutos que, teoricamente, garantem a preservação dos direitos humanos, a resposta da juíza foi: "lutar e resistir". Finalizou sua fala afirmando que os direitos vem de um processo, e que é preciso fazer pressão dentro dos mecanismos do Estado.



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O vírus do eufemismo

Por: Diego Gouveia

 

No último domingo, seis de junho de 2010, a senhora Suzana Singer, ombudsman da Folha de S. Paulo, publicou em sua coluna uma nota onde criticava a forma como foi abordada, pela Folha, a questão dos problemas tributários enfrentados pela Natura junto à União e os Estados. O presente texto pretende dialogar diretamente com a senhora, Suzana Singer, e tentar relatar as impressões que o seu texto podem estar causando nos leitores.

Com o devido respeito, ao que parece, a Natura está, sim, sonegando impostos. Pela reportagem publicada na Folha terça-feira (01/06/10), no caderno Mercado, fica claro que a empresa está sob suspeita de ter feito transações ilegais para evitar pagar imposto. Logicamente que a Natura, como toda grande empresa, paga muitos impostos e possui um grande passivo tributário, porém não parece ser esta a questão que a Receita Federal está tentando descobrir em suas investigações. O que ficou subentendido em sua nota foi uma tentativa de "proteger" a Natura, fazendo parecer que a Folha omitiu informações, e que o fato não é tão grave como deixa parecer a reportagem. Obviamente que essa "acusação" tem um fundo de verdade. Não podemos esquecer que o diretor da Natura é o vice da chapa que pretende eleger Marina Silva (PV) presidente do Brasil. A Folha se declara neutra, mas quis claramente "sujar" a imagem do vice de Marina Silva, e conseqüentemente a imagem desta, ao publicar no caderno Poder de quarta-feira (02/06/10) uma continuação da reportagem de terça, ao invés de publicar a mesma no caderno Mercado, como feito no dia anterior, e dando destaque para o caso da Natura, esquecendo do Santander, também sob investigação. Claro que sua autocensura não permitiria citar tal fato, o que me leva a defender a tese de que melhor seria se nada tivesse sido citado em sua coluna sobre o assunto.

O que doeu mais não foi o fato de a senhora não ter citado as pretensões políticas na cobertura da Folha, mas sim tentar justificar algo errado através de atitudes erradas dos outros. O que a sua nota deixou transparecer é que, no final, o que vale é a mentalidade popular de "todo mundo faz, tenho direito de fazer também". Nunca um erro deveria ser justificado desta maneira, ainda mais um que envolve mais de um bilhão de reais que deveriam estar nos cofres públicos. Dívidas tributárias são comuns às grandes empresas, porém isso não quer dizer que sejam algo correto. É necessária a cobertura da imprensa sobre este assunto, justamente para evitar sonegações, como parece ser o caso da Natura. Interpretação errada das leis e altas cargas de impostos não deve servir de eufemismo para atitudes ilegais. Tenho certeza que esta não era a mensagem que a senhora gostaria de passar, contudo fica o alerta: é preciso ter certeza que um texto transmita exatamente a mensagem que queremos que ele transmita, e não outra.



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Posição da imprensa esquenta debate

domingo, 13 de junho de 2010

Semana de jornalismo começa discutindo sobre imparcialidade da mídia






Plínio de Arruda, candidato à presidência pelo PSOL


O dia 24 de maio marcou o início da Semana de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O tema das mesas esse ano foi Direitos Humanos e contou com as presenças do candidato à presidência pelo PSOL, Plínio de Arruda, e da juíza Kenarik Boujikian Felippe para a abertura do evento.
Marcadas para começarem às 08:30, as atividades tiveram início com mais de uma hora e meia de atraso, logo após o pronunciamento oficial do reitor da universidade, professor Dirceu de Mello. O candidato fez questão de ressaltar em seu discurso o direito à defesa de qualquer indivíduo, assim como a advogado e à dignidade. Alertou, entretanto, contra países, como os E.U.A., que utilizam os direitos humanos como pretexto de dominação.


"Não sei onde vamos parar. Está pior do que a ditadura nesse aspecto.", Kenarik


Já a juíza fez questão de destacar, por várias vezes, o pano de fundo do Neoliberalismo, reproduzido na ação e que transforma homem em coisa. Alguns desses sintomas são o desemprego, baixos salário mínimo e matrículas de jovens e abandono do país. Kenarik criticou a censura que, em sua opinião, bate até os períodos ditatoriais do país. "Não sei onde vamos parar. Está pior do que a ditadura nesse aspecto.", disse e explicou em seguida: "naquela época, pelo menos, eles liam (viam) antes de censurar. Agora nem isso.".



Kenarik Boujikian Felippe, juíza da 16ª Vara Criminal

O debate realmente esquentou quando surgiu o assunto imprensa, ou melhor, o papel do jornalista e a tão questionada imparcialidade. Os dois convidados foram enfáticos ao falar sobre posicionamento na profissão, colocado até como fundamental. O presidenciável Plínio declarou que "o jornal imparcial acabou com o jornalismo". "Tem que ser parcial, defender seu ponto de vista. É impossível ver o mundo de outro jeito. A questão está em falsear, ou não, a verdade.", completou.


"Competição leva à tentação. Jornalismo é lugar de poder e o jornal, sua arma.", Plínio



Ambos concordaram ao criticar o jornalismo sensacionalista exercido por certos "profissionais" e mídias que usam a violação dos direitos do homem para projetarem-se, esbarrando na questão ética. Por fim, a agitada mesa teve como fundamento mostrar que a função do jornalista, assim como a do juiz, é trabalhar para a sociedade, tendo como base a liberdade de expressão. tendo como base a liberdade de expressnsacionalista exercido por certos "inaço.











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“FOREST GUMP PRA MIM É MATO, PREFIRO CONTAR UMA HISTÓRIA REAL, PREFIRO CONTAR A MINHA. DARIA UM FILME...” - RACIONAIS MCs

Por César Augusto

“Uma boa educação começa em casa”. Se este velho refrão popular tem seu peso na formação de qualquer pessoa ,na minha, que sou filho único, ela acabou ganhando um valor ainda maior. Meu pai passou a maior parte da juventude trabalhando no campo, o máximo que ele conseguiu chegar em seus estudos foi até o fim do ensino fundamental, minha mãe quase não freqüentou a escola, chegando apenas à segunda série, no entanto, estes fatos nunca se transformaram em motivos para que, principalmente minha mãe, deixasse que eu me descuidasse dos estudos. Pelo contrário, mesmo não sabendo ler nem escrever, ela sempre fez questão de acompanhar de perto o meu desempenho na escola. Dona Maria sempre me dizia: “Meu filho, eu nunca pude estudar, mas com você vai ser diferente. Você não precisa trabalhar, só o que eu quero é que você estude, se forme naquilo que você quiser, que seja um homem de bem e que não se envolva com drogas e nem com nada errado. Não importa o tanto que eu tenha que me esforçar pra te sustentar até você terminar os seus estudos”. Para o orgulho de minha mãe eu me mantive até o fim do ensino fundamental sem tirar nenhuma nota vermelha em nenhuma prova se quer, porém, esse orgulho foi por água abaixo no final do primeiro semestre do ensino médio. Um AVC (popularmente conhecido como derrame) acometeu minha mãe nos meados de 1998, ela ficaria em estado semi-vegetativo para o resto da vida e eu sem o norte que guiava os meus estudos. Meu pai, que naquela época estava separado da minha mãe, voltou para casa para me ajudar, mas nem de longe conseguia suprir os cuidados dela com os meus estudos. Soma-se a isso um ano sem aula de Física, aulas de inglês que se limitaram ao verbo “to be” durante três anos, professores de Química que foram até o terceiro ano mostrando a diferença entre substâncias simples e compostas, além de um programa de educação continuada e o resultado não poderia ser outro; mesmo depois de um mar de notas vermelhas, de ficar de recuperação em cinco matérias e não aprender quase nada de útil durante três anos, consegui meu diploma de conclusão do ensino médio e um buraco na minha formação acadêmica. Contudo, justiça seja feita; durante esse período tive duas professoras, uma de História e outra de Português, que foram a luz no fim do túnel para mim. Graças a elas eu não passei pelo ensino médio totalmente alienado. Durante o ensino médio descobri, por influência de amigos, um gosto particular pela área do jornalismo. Tentei o único caminho que poderia me colocar numa faculdade naquele momento e fiz a prova da FUVEST. As 16 questões que eu acertei, das 80 do primeiro dia de prova, nada mais eram do que o reflexo do que eu disse até aqui. Nos anos seguintes o estudo ficou de lado e eu tive que sair atrás de trabalho para conseguir minha independência financeira e ajudar meu pai em casa. Fui vendedor ambulante, pizzaiolo e entregador de panfletos. Durante cinco anos não li sequer um livro. Meu dinheiro era suficiente para que eu comesse, bebesse e me divertisse, para mim aquilo era o suficiente. Nesse período, minha mãe faleceu e, por mais que eu não goste de admitir, isso acabou abrindo uma janela, já que eu tinha que conciliar o revezamento que eu e meu pai fazíamos para cuidar dela e o trabalho. Nessa trajetória uma conversa com um amigo, e por coincidência xará, mudaria o rumo da minha vida. Quando questionado por outro colega se eu não voltaria a estudar o outro César respondeu: “Ah, não adianta nada. Cê não vê o César (eu) aí. Todo mundo sabe que ele é inteligente, que gosta de estudar e tá aí que nem nóis”. Depois daquele dia prometi para mim que mudaria a minha trajetória. Aquelas palavras mexeram com o meu brio e serviram para eu enxergar algo que estava diante dos meus olhos e eu não via: quem poderia mudar a minha realidade era a minha força de vontade. Voltei a trabalhar em pizzaria, algo que eu tinha prometido que nunca mais faria. Durante quase dois anos procurei me estabilizar economicamente e decidi que voltaria a estudar. Em 2007 ouvi no rádio uma propaganda sobre um cursinho pré-vestibular sem fins lucrativos e com preços acessíveis. O cursinho da Poli foi outro divisor de águas na minha vida. Ali ,realmente eu tive professores que eram verdadeiros mestres e, sem fazer nenhum tipo de demagogia, digo que eles me mostraram muito mais do que um caminho para passar no vestibular. Durante os dois anos que eu estive lá, vi uma nova porta para a minha vida; voltei a ler, aprimorei minha escrita, aprendi a refletir sobre as coisas e não apenas aceitá-las sem antes questioná-las e tentar enxergar o máximo de perspectivas possíveis. Não consegui a tão sonhada vaga de jornalismo na USP e, para piorar, meu pai sofreu um derrame em janeiro desse ano que limitou seus movimentos e sua fala, dificultando ainda mais minha vida e a entrada em uma faculdade, nem por isso desisti. Através do PROUNI consegui entrar na PUC e hoje faço jornalismo numa conceituadíssima faculdade particular do Brasil, algo quase utópico se me dissessem que isso aconteceria . Continuo tendo que suar muito para conciliar meu trabalho de servente escolar em Itaquaquecetuba, meu outro trabalho de pizzaiolo aos sábados, os cuidados com o meu pai e acompanhar as aulas no mesmo nível dos alunos da minha sala que é infinitamente maior que o meu quando tinha a idade deles. Ainda assim, acho que estou me virando bem. Hoje olho para trás e prefiro esquecer os nomes de algumas pedras que dificultaram o meu caminho ate a Universidade, contudo, faço questão de mencionar aqueles que eu julgo serem os principais responsáveis por eu estar onde estou: Isaneide, Elênice, João Luíz e Inês do ensino fundamental. Georgina e Tamiko do ensino médio. Rafael, Thaís, Edson (Bilau), Márcio, Leão, Sérgio, Fábio, Futema, Claúdio, Fernando, Marcos, Xandão, Cris e Carol do cursinho. Sou grato a eles por me darem as ferramentas para chegar até aqui.

Grupo Mães de maio compõem mesa de debate na Semana do Jornalismo

Por Amanda Aron

Na terça-feira, 25 de Maio, durante a Semana do Jornalismo, houve na PUC-SP a coletiva “A violência do Estado”. Nesse dia foram convidadas à mesa de debate duas mães que tiveram seus filhos assassinados por autoridades do Estado. Apesar do atraso de quase duas horas para o início da coletiva e após algumas pessoas deixarem o local impacientemente, o auditório ainda contava com muita gente que esperava encontrar aquelas dificilmente ouvidas pela sociedade.
Quem abriu o debate foi Débora Maria dos Santos Silva, mãe de Edson Rogério da Silva, então com 29 anos, assassinado na onda dos crimes de maio de 2006 - acredita-se que em uma contra-ofensiva da Polícia de São Paulo aos ataques do PCC, o Primeiro Comando da Capital - notava-se a sua origem humilde: roupas simples, português repleto de erros; contudo, levou à esfera pública presente o que mais tinha a oferecer no momento: o coração partido de uma mãe enlutada. Débora ainda deu um alerta aos futuros jornalistas que ali se encontravam: “O jornalismo tem que ser transparente, doa a quem doer”. A mãe de Edson foi uma das fundadoras do Mães de maio, um movimento surgido em agosto de 2006, após o massacre sofrido por diversos jovens carentes naquele mês, na Baixada Santista.
Solange Moura, mãe de Sidney, perdeu seu filho na Febem e recebeu 3 versões diferentes sobre a morte do rapaz. Suicídio, rebelião seguida de morte ou a que mais a convence, contada por outros jovens internos: Sidney teria sido torturado, dopado e então assassinado. O caso foi arquivado por falta de provas para apuração.
Quando as convidadas foram questionadas por uma aluna da platéia sobre o apoio de autoridades recebido na época para as investigações, Solange contou ouvir de um delegado que o que acontecera a seu filho se tratava de um crime perfeito, ela então rebateu: “eu não acredito em crimes perfeitos. Eu acredito em crimes mal investigados, e só investigam bem quando há o interesse”. Já para Débora restam palavras de indignação: “o descaso das autoridades foi a coisa mais absurda desse mundo, não se mata tanta gente, e todos os crimes foram arquivados.O Ministério Público hoje fala que as investigações foram dele, mas não foram, nós, mães, que investigamos tudo”.
O debate daquela manhã também gerou polêmica. Em determinado momento, um estudante (apoiado por tantos outros), questionou se não estava ocorrendo uma inversão de valores naquele instante: “o problema é que os policiais militares são colocados aqui só como assassinos, e não tem só assassinos. Então eu acho que está ocorrendo o inverso, ninguém fala do PCC, ninguém fala que eles também são culpados. O crime saiu às ruas e tomou conta, nada justifica o que os policiais militares fizeram. Mas vocês não acham que é perigoso uma inversão desse tipo?”. Em resposta, Débora diz: “o crime organizado não foi formado pelo meu filho, foi feito pelo Estado, porque o Estado é corrupto, ele não investe no ser humano, investe em arma e viatura”. Outro integrante do Mães de maio complementou: “nós queremos inverter (os valores), queremos uma polícia que nos proteja e não que nos mate”. O público foi então dividido por aqueles que condenam os policiais e aqueles que acreditam na instituição.
As Mães de maio foram convidadas a compor o texto do novo Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3. Débora, inclusive, enfatiza: “esse plano tem que sair do papel, eu não gostei que mexeram, o plano é de um movimento social, não pode ser mudado, não pode tirar uma virgula e nem um ponto.”
Em uma parte do debate, Débora denuncia um telefonema recebido por um delegado no dia que seu filho foi morto: Débora, avisa para as pessoas de bem não sairem as ruas porque quem estiver na rua é nosso inimigo, mas avisa pras pessos de bem, não para lixo. “Ele nunca imaginava que aquele lixo que ele frisou era o meu filho, que foi morto naquela noite”. Já Solange fala emocionada sobre as frequentes torturas sofridas pelo seu filho no período que esteve na FEBEM. “A gente quer solucionar os crimes de maio para não continuarem acontecendo. E D´us vai dar força pra gente, porque a semente já está plantada. Um mundo melhor é possível sim.“ Diz ela.
Um mundo melhor é possível, e é para atingir esse fim que lutam as Mães de maio. Entretanto, dentro da sociedade cada um tem o seu papel. O jornalista, mais do que ouvir, tem o dever ético, moral e social de elevar a voz de pessoas e grupos silenciados pela mídia surda, injustiçados pelo poder judiciário e o mais lastimável: ignorados pela população que os rodeia. Contudo, é necessária cautela para não desmoralizar instituições públicas e enaltecer o crime organizado, trocando o papel de bandido pelo mocinho.

Amanda